segunda-feira, 18 de julho de 2011

Entrevista Janaina Lima: "A travesti, por não aceitar ser homem ou mulher, é vista como um ser que agride a sociedade machista"

Nascida na divisa do Rio Grande do Norte com a Paraíba, a militante e travesti Janaina Lima é, ao mesmo tempo, profissional do sexo e pedagoga. Veio para o estado de São Paulo ainda uma criança de colo e aqui iniciou sua militância.

Hoje, com 35 anos, Janaina faz parte do grupo Identidade, um coletivo de Campinas que luta pela diversidade sexual. Ela afirma que sua militância não se restringe apenas ao movimento dos travestis e que “está ligada a qualquer movimento que lute contra as opressões sociais”.

Em entrevista ao site da Caros Amigos, ela falou sobre as diferenças que as instituições médicas no Brasil realizam entre travestis e transexuais e sobre as principais dificuldades que enfrentam na sociedade. Confira.

Caros Amigos – Sua formação é em pedagogia, você está empregada na área? Qual a sua profissão?

Janaina Lima – Trabalho em uma escola de teatro como secretária da pedagogia da escola, mas minha profissão não é apenas em pedagogia, sou também profissional do sexo. É algo que aprendi a fazer e não tenho vergonha disso. Se eu necessitar trabalhar nesta área, entro de cabeça, sem problema algum.

Caros Amigos – No Brasil, quais as principais dificuldades que os Travestis e Transexuais enfrentam no mundo trabalho? Quais as áreas em que, geralmente, estão empregados?

A questão do mercado de trabalho no Brasil é um problema de muitos e não apenas das travestis e transexuais. Cabe no dias de hoje tentar se profissionalizar em alguma área e tentar lutar por uma vaga, sabendo que a concorrência será grande, pois a taxa de desemprego ainda está elevada no País. Com a falsa idéia de que ter dinheiro traz consigo o respeito, muitas travestis estão no mercado do sexo. Mas temos travestis na área de beleza, saúde, e educação.

Caros Amigos - Como é o atendimento nos hospitais e postos de saúde públicos para os Travestis e Transexuais?

A saúde é um caos no Brasil para qualquer pessoa que necessite do SUS ou do plano de saúde. No caso de travestis e transexuais, sua identidade vira questão de chacota ou empecilho para o atendimento, pois, por conta de uma visão biologista, o corpo não condiz com a documentação e suas mudanças corporais não são aceitas por muitos médicos. Além do mais, desde o momento em que elas passam pelo portão do atendimento, são apontadas como um ser estranho que está ali no meio dos “normais”.

Caros Amigos - A possibilidade de mudança de sexo pelo SUS foi uma conquista do movimento? Como foi esse processo?

Creio que algumas pessoas do movimento de transexuais acreditam que é um grande ganho, mas sei que muitas outras pessoas transexuais não concordam com essa idéia, pois as colocam como pessoas doentes que precisam de uma cura através de uma cirurgia. E isso não é de fato o que elas almejam em suas vidas.

Caros Amigos - Qual é a diferenciação realizada pelas instituições médicas entre Travestis e Transexuais? É correta tal diferenciação?

Travesti está ligada ao fetichismo e transexual a uma pobre doente. Essa diferenciação é um grande engano, pois coloca as travestis como pessoas que se valem de uma identidade apenas para a busca do prazer e as transexuais como doentes que precisam de uma cura para se adequar a nossa sociedade. Ou seja, transexuais precisam apenas se adequar ao binarismo de gênero e tal adequação seria uma condição de submissão ao machismo. A travesti, por não aceitar ser homem ou mulher, é vista como um ser que agride a sociedade machista, pois sua condição confronta as regras impostas.

Caros Amigos - No Brasil, quando as Travestis e Transexuais começaram a se articular para lutar por seus direitos? É possível dizer que houve avanços?

A Articulação se inicia na década de 80 na cidade de São Paulo por conta da repressão policial local. Uma das percussoras desse movimento foi Cláudia Wonder, que iniciou uma luta após ser presa por dançar no carnaval nos arredores da rua Marquês de Itú.

Caros Amigos - Dentro do movimento LGBTT, como é tratado o tema de Travestis e Transexuais?

O movimento LGBTT é um movimento machista que coloca o L (de lésbicas) na frente das letrinhas como uma forma de querer dizer que é inclusivo, mas quem vive dentro do movimento sabe bem o quanto a ser travesti, transexual e mulher é ainda estar em terceiro plano. E se você não aceita que o poder é dos homens, pode ter certeza que não será uma pessoa bem recebida. Infelizmente o movimento LGBTT é composto por uma elite branca, machista e umbiguista.

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