Por Bruninho Rapchaell*
A Teoria Queer surgiu nos Estados Unidos, como proposta de uma mudança de foco dos estudos de minorias que caracterizaram a maioria dos empreendimentos na sociologia para os processos de construção da sexualidade a partir da díade hetero/homossexualidade. O termo queer mostra a presença do inconveniente e abjeto na constituição da sociedade, assim como sua re-significação positiva na teoria social.
Esta teoria promove o encontro entre uma corrente da Filosofia e dos estudos culturais norte-americanos com o pós-estruturalismo francês, que problematizou concepções clássicas de sujeito, identidade, agência e identificação (com base principalmente em Michel Foucault e Jacques Derrida).
Segundo Souza (2008) o termo queer foi utilizado pela primeira vez por Teresa de Laurentis em uma conferência realizada na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, em fevereiro de 1990 a fim de teorizar sobre as sexualidades gays e lésbicas. De acordo com o autor ora citado:
Seus principais aspectos passam por um conceito de sexualidade que vê o poder sexual incorporado em diferentes níveis da vida social, expresso discursivamente e reforçado através de fronteiras e divisões binárias, assim como a problematização das categorias de sexo e gênero e de identidades em geral. (p.14)
Richard Miskolci em seu artigo intitulado “A Teoria Queer e a Questão das Diferenças: por uma analítica da normalização”[1] contribui:
A escolha do termo queer para se autodenominar, ou seja, um xingamento que denotava anormalidade, perversão e desvio, destacava o compromisso em desenvolver uma analítica da normalização focada na sexualidade. Desta forma, os teóricos queer delimitavam um novo objeto de investigação: a dinâmica da sexualidade e do desejo na organização das relações sociais.
Neste contexto, o maior foco de crítica dessa teoria é a normatividade binária que estabelece formas de viver o corpo, a sexualidade, as performatividades[2] cotidianas. Ao mesmo tempo problematiza os eternos opostos: sexo/gênero, corpo/mente, natureza/cultura, feminino/masculino - que ainda determinam nossas críticas e reflexões sobre a realidade. Butler (2003), a teórica queer mais popular no Brasil, parte da crítica ao pensamento feminista binário para propor uma forma de pensamento e vivência mais "trans", que admita sujeitos e conceitos não fixos. São conceitos que questionam e revolucionam noções como fronteira, periferia, transviado e tantos outros que ainda carregam consigo um pensamento binário. A teoria queer propõe mais que uma mudança de termos, propõe uma reviravolta no modo de pensar, como pondera Joshua Gamson:,”(...) a teoria queer e os estudos queer propõem um enfoque não tanto sobre populações específicas, mas sobre os processos de categorização sexual e sua desconstrução,”(GAMSON. 2006.p347)
Na base da teoria queer situa-se a teoria do poder de Michel Foucault. Assim a análise queer é congruente com a formulação foucaultiana, especialmente, na seguinte asseveração:
Não se deve fazer divisão binária entre o que se diz e o que não se diz; é preciso tentar determinar as diferentes maneiras de não dizer, como são distribuídos os que podem e os que não podem falar, que tipo de discurso é autorizado ou que forma de discrição é exigida a uns e outros. Não existe um só, mas muitos silêncios e são parte integrante das estratégias que apóiam e atravessam os discursos. (FOUCAULT, 2005, p. 30 apud SOUZA 2008 p. 15)
Para a teoria queer, a identidade sexual, assim como a de gênero, é uma construção social. Para ela, a identidade é sempre uma relação dependente da identidade do outro. Não existe identidade sem significação, assim como não existe identidade sem poder. Essa teoria pretende questionar os processos discursivos e institucionais, as estruturas de significação sobre o que é correto ou incorreto, o que é moral ou imoral, o que é normal ou anormal.
É importante destacarmos que a atuação deste movimento (pensamento queer) não passa por incapacitar as identidades, visto que alguns autores asseguram inclusive que não é possível dispensá-las. Outrossim, a teoria queer prefere adotar um processo de desconstrução a fim de lançar um olhar diferenciado para os processos sociais de naturalização, com o propósito de questionar os poderes que legitimam tal naturalização e não eliminá-los.
Butler aponta que mesmo que a teoria queer se oponha aos que resguardam a noção de identidade, é objetivo desta teoria não apenas tornar pando ao ativismo anti-homofóbico, mas também afirmar que a sexualidade não pode se deleitar apenas a esquemas de categorização. Assim, não se pode concluir que a teoria queer se oponha à noção de gênero ou ainda que critique quem defende esta maneira de ver o mundo. (Butler 2003).
Aqui no Brasil a literatura queer conta com uma produção qualificada. A exemplo dos trabalhos de Berenice Bento (UFRN); Richard Miskolci (UFSCAR); Miriam Pillar Grossi (UFSC); Guacira Lopes Louro (UFRGS) entre outros teóricos que compartilham teórico-metodologicamente..
Condizentes com a teoria queer acreditamos não existir uma identidade de gênero anterior a sua criação pela cultura e que estes mesmo gêneros são, de fato, performances que produzem uma identidade que dizem expressar.
Para Butler (2003) a performance repetida de gênero seria uma reprodução e também uma nova experiência de significados socialmente estabelecidos, bem como uma forma de legitimação, ou, segundo as próprias palavras da autora:
(...) atos, gestos e desejos produzem o efeito de um núcleo ou substância interna, mas o produzem na superfície do corpo, por meio do jogo de ausências significantes, que sugerem, mas nunca revelam, o princípio organizador da identidade como causa. Esses atos, gestos e atuações, entendidos em termos gerais, são performativos, no sentido de que a essência ou identidade que por outro lado pretendem expressar são fabricações manufaturadas e sustentadas por signos corpóreos e outros meios discursivos. O fato de o corpo gênero ser marcado pelo performativo sugere que ele não tem status ontológico separado dos vários atos que constituem sua realidade. (Butler, 2003, p. 194)
Assim compreendemos que esta performance não seria um ato natural do sujeito mas sim produção ritualizada. Visto que a Antropologia tem demonstrado que as formas de ser mulher em determinada cultura podem ser diferenciada em outras, como também muitas das atividades atribuídas as mulheres em uma determinada cultura podem ser atribuídas aos homens em outras.
* Bruninho Rapchaell (Membro do Núcleo Universitário pela Diversidade Afetivo Sexual - NUDAS e nas horas vagas estudante de Serviço Social pela UFPB e de Tecnologia em Desig de Interiores pelo IFPB.
[2] Mais abaixo discorremos sobre o conceito de performatividades, tendo como base teórica o pensamento de Butler.
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