segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A campanha que causa ‘estranheza’, ou a envergadura heteronormativa no movimento gay da Bahia

 Por Júlio César Sanches*
A campanha de divulgação da X Parada do Orgulho Gay da Bahia estará no ar em breve. A campanha traz o slogan: “Ser gay não é ser ‘estranho’; estranho é a homofobia”. Ao olhar o cartaz produzido pelo 'movimento homossexual hegemônico' de Salvador, uma cólera me abateu: Se esse gay branco, com aparência heterossexual, sem sinais de ‘afetação’ não é estranho, quem é estranho para a sociedade soteropolitana ou brasileira? É necessário refletir sobre o cartaz e a mensagem proposta pela campanha.

Salvador é conhecida como a cidade mais negra fora da África. Aqui, homossexuais negros estão presentes na cultura local. Raça e homossexualidade causam um misto de desejo e abjeção aos olhos de turistas e moradores da cidade, justamente, é o que é vivido na cultura local (desejo e abjeção). A cidade que, segundo dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), é uma das mais homofóbicas do Brasil, não sabe representar qual homossexual sofre homofobia? Fiquei me perguntando qual modelo de homossexual ‘representaria’ aqueles/aquelas que sofrem cotidianamente ataques homofóbicos, assédio moral, violências simbólicas e materiais só porque que são o que são.

Por que não é a representação de um homossexual negro que está no cartaz produzido pelo movimento homossexual, ou melhor, por que não é uma travesti, uma lésbica masculinizada? Percebo que a campanha protagonizada pelo Movimento Gay da Bahia está marginalizando ainda mais as identidades sexuais que não se conformam com a lógica heteronormativa. Na Bahia, as línguas já dizem: a Bahia é gay! Mas um dia será travesti? Um dia será lésbica?...Indo mais longe nas discussões, devemos nos questionar qual modelo de homossexual é exposto como ‘normal’ para que a sociedade heteronormativa possa ‘acolher’ tal representação.

A representação homossexual ‘idêntica’ com a heterossexualidade é usada pela campanha da X Parada do Orgulho Gay da Bahia como ferramenta de visibilidade homossexual. Porém, devemos abrir os olhos e ver que as homossexualidades vistas como patológicas, sujas e doentias ainda estão subjugadas ao olhar daqueles/daquelas que nos violentam nas ruas, praças, instituições de ensino e na própria mídia brasileira.

Essas são as palavras de um homossexual que lê teoria queer, de um homossexual que vive na periferia da cidade, de um homossexual que não suporta mais ser representado por imagens e modelos que só fazem violentar ainda mais a EXISTÊNCIA de pessoas iguais a mim. Sou negro, sou homossexual e mereço respeito.


Tenho que deixar bem claro que a estranheza da campanha da X Parada do Orgulho Gay de Salvador está na ocultação e marginalização de identidades e performances de gênero que não dialogam com os valores hegemônicos vendidos pela mídia em nome de uma aceitação social. Queremos o nosso direito de existir, queremos o direito de reconhecimento da nossa dignidade humana.

Minhas inquietações não cessam. Ainda estou a me perguntar por que o 'movimento homossexual hegemônico', e suas reminiscências, utilizam de representações que buscam ‘embranquecer’ os homossexuais da Bahia. Por que a homossexualidade da campanha do GGB é normal? Essa representação só faz colocar os homossexuais velhos, feios, pobres e afetados no espaço da invisibilidade. Somos os corpos abjetos, corpos sujos e sem valor social de uma homossexualidade que está passando por cima de tudo para ‘aparecer bonita, branca e heteronormativa’ nas fotografias.
 
*Júlio César Sanches é estudante de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela UFRB e membro do Coletivo AQUENDA! de diversidade sexual.
 

3 comentários:

  1. Júlio, que texto brilhante!
    Concordo contigo até nos mínimos termos.
    Preciso compartilhar com o máximo de pessoas que estão nas minhas redes.
    Parabéns!

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  2. Tenho uma dica quente. Se trata de um livro sensivel, chocante e bombastico como nunca houve. O LAÇO DO PASSARINHEIRO que conta a vida extremamente erotizada de um ex. garoto de programa.
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