quinta-feira, 5 de maio de 2011

Casamento gay no Brasil: uma questão mal resolvida

Casamento gay no Brasil: uma questão mal resolvida


Por Maycon Lopes
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“Eu, bandoleiro
Eu, o proscrito
Eu, o fora da lei
E o que fazer
Eu quero, eu quero, eu quero”
Sueli Costa
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É sabido que nos últimos dias foram divulgados os números do Censo 2010 – o mais profundo levantamento de dados demográficos do Brasil – que, pela primeira vez, vale dizer, em sua décima segunda edição, levou em consideração a união entre pessoas do mesmo sexo. Logo de pronto somos confrontados com uma questão, para mim primordial: o que nós, LGBT, desejamos fazer com estes números fresquinhos?
Não tardou muito e a resposta apareceu na declaração de uma das figuras mais autorizadas no Brasil a falar da (e pela!) comunidade LGBT, nomeadamente o fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB), Luiz Mott. Ele defende que “os dados destroem o estereótipo do gay promíscuo”, ao passo em que “mostra uma realidade muito semelhante à união entre os heterossexuais”. Ora, o que fez o antrópologo senão uma interpretação fortemente embasada em parâmetros morais? Ao positivar a experiência da união conjugal e rechaçar a imagem (aquela que deve ser destruída) do gay promíscuo, acabou por “dar um tiro no pé”, e, a partir da enunciação da promiscuidade, sustentou o discurso de uma sociedade que determina minuciosamente os modos pelos quais devem ser geridos os nossos corpos e desejos, sendo a instituição do casamento apenas um – e não menos importante – exemplo.
Quando o decano do Movimento LGBT do país poderia utilizar-se da posição privilegiada para desconstruir certos preceitos morais, que aliás servem de fundamentos para a própria homofobia, ele optou por dizer que o estereótipo do gay promíscuo nos envergonha, que somos tão normais quanto os heterossexuais. Façamos um exercício e pensemos por um momento quem são os mais vulneráveis a homicídios homofóbicos no Brasil. Por um acaso seriam aqueles que vivem em união estável? O que quero com isso dizer é que vivemos já numa sociedade em que a não assimilação pode custar-nos a vida, e portanto devemos estar atentos às estratégias discursivas com que julgamos combater o preconceito.
Trocando em miúdos, afirmar que os dados advertem a sociedade (heterossexual) que não somos promíscuos, não apenas é pressupor que somos todos monogâmicos, como é dar margem à uma hierarquia em que aqueles que optam pela monogamia são superiores aos demais. E porque superiores? Por que são como os heterossexuais. É ainda atirar ao lixo a possibilidade de constituição de novas conjugalidades e uniões não circunscritas à norma, e, para ser exato, impossibilitar a articulação de uma “cultura sexual radical”¹.
É desse jeito que queremos legalizar o casamento gay no Brasil?
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¹ BUTLER, Judith. O parentesco é sempre tido como heterossexual?. Cad. Pagu [online]. 2003, n.21, pp. 219-260. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332003000200010&lng=en&nrm=iso.

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